Chamada de dossiê: "Política contenciosa e o desejo de mudança: o presente como problema, o passado como inspiração"

2022-08-19

Política contenciosa e o desejo de mudança: o presente como problema, o passado como inspiração

Coordenadoras (es)

  • Profa. Dra. Mariana Affonso Penna (IFG)
    mariana.penna@ifg.edu.br
  • Doutorando Pablo Pamplona (USP)
    pablopamplona@gmail.com

 

Em 1976, o historiador francês Jean Chesneaux publicava o provocador ensaio “Devemos fazer tábula rasa do passado? Sobre a história e os historiadores”. Nele, Chesneaux entende a História como uma relação ativa com o passado. Como tal, seria preciso entender que é o presente que impõe suas pautas ao revisitar as experiências de outros tempos. Segundo ele, “cada um escolhe o seu passado, e essa escolha nunca é inocente”. Fica patente, nesta afirmação, o sentido inerentemente político do fazer histórico. São justamente os problemas e os diferentes interesses em torno das urgências que a realidade vivida impõe, aqueles a questionar e intimar o passado em busca de soluções e de legitimação. 

O momento atual é marcado pela ascensão de movimentos e governos de viés declaradamente autoritário, em diferentes regiões do mundo. Uma sensação de déjà vu histórico nos remete ao passado recente do Entreguerras, do nazifascismo; às polarizações ideológicas da Guerra Fria; ou, no caso específico brasileiro, ao “Dia que durou 21 anos”. A busca de explicações para o avanço do autoritarismo sobre as democracias liberais de nossos dias através da simples reconstrução destas experiências do século XX arrisca obscurecer o que há de novo neste fenômeno. A história não se repete, a menos que seja a tragédia convertida em farsa, conforme a célebre frase de Karl Marx. No entanto, este passado deixa heranças e se faz presente no campo das lutas políticas e, como tal, é parte da prática social.

A reinterpretação dos processos históricos proveniente do levantamento de novas fontes e do aprofundamento de metodologias investigativas é um exercício legítimo e recorrente no ofício do/a historiador/a. No entanto, as fronteiras, os limites entre a necessária revisão inerente à historiografia e o negacionismo como um exercício politicamente motivado de falsificação histórica nem sempre se fazem evidentes aos olhos de pessoas leigas. E o uso da mentira como instrumento de disputa na arena política é uma prática conscientemente disseminada pelas correntes político-ideológicas autoritárias como ficou patente na emblemática estratégia do uso da “grande mentira” na propaganda nazista. Reeditada, a mentira dos dias atuais se expressa desde nas chamadas “fakenews” difundidas em redes sociais, aos negacionismos históricos, disfarçados de revisionismos, empenhados em manipular e distorcer a produção historiográfica para seus fins políticos.

Frente a tão adverso contexto histórico, é perceptível, conforme destacava Chesneaux, que o conhecimento do passado é uma “zona asperamente disputada”. Em meio a este confronto, torna-se imperativo compreender o lugar das/os historiadoras/es. A responsabilidade e o compromisso com a verdade são as bases éticas do nosso ofício, nos advertia Eric Hobsbawm em “Sobre a História”. Mas estes princípios não se confundem com uma pretensa neutralidade ou o olhar de sobrevoo advogado pelo pensamento positivista. A história está intrinsicamente relacionada à prática social e como tal, “nunca está acima da peleja”, nos lembra Chesneaux. Em meio à adversidade do obscurantismo e da tirania, precisamos nos munir de história. Como ambos os historiadores avigoram: se o presente vai mal, temos necessidade de inquirir ao passado por respostas. Este dossiê convida pesquisadores a olhar para a história em suas manifestações de política  contenciosa, expressas especialmente na forma de movimentos sociais, e em como estes se munem do passado na busca de soluções para o que entendem como urgências de seus tempos.

Referências Bibliográficas

BENJAMIN, Walter. Teses Sobre o Conceito da História. In BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 1987.

CHESNEAUX, Jean. Devemos fazer tábula rasa do passado? Sobre a história e os historiadores. São Paulo: Ática, 1995.

HOBSBAWM, Eric. Sobre a História. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado. Rio de Janeiro: Contraponto, v. 25, 2006.

LÖWY, Michael. A filosofia da história de Walter Benjamin. Estudos Avançados, vol. 16 no. 45, p. 199-206, 2002.

LIMA, Valesca; PANNAIN, Rafaela N.; MARTINS, Gabriela Pereira (Ed.). The Consequences of Brazilian Social Movements in Historical Perspective. Taylor & Francis, 2022.

PENNA, Mariana Affonso. Utopias e Ucronias: inquietações do presente e usos políticos do passado. História Revista, Goiânia, v. 26, n. 2, p. 112–141, 2021. DOI: 10.5216/hr.v26i2.68644. Disponível em: https://revistas.ufg.br/historia/article/view/68644. Acesso em: 19 ago. 2022.

 

 

Prazo de submissão: 30 de abril de 2024